sexta-feira, abril 11, 2008

Mega-operação policial no Martim Moniz não conseguiu tirar droga da rua

Jessica (nome fictício) levanta-se e guarda na mala o cachimbo verde onde acabou de fumar uma dose de crack de má qualidade: "Agora vou para a Praça da Figueira prostituir-me."Passou um escasso par de horas desde que a Praça do Martim Moniz foi tomada de assalto por uma aparatosa operação policial que se estendeu à Praça da Figueira e ao mal afamado Intendente. Ainda há uns carros tresmalhados com homens fardados dentro a percorrer as ruas.
De cabelo bem arranjado e olhos maquilhados com esmero, a rapariga de 27 anos comprou o produto ali mesmo - "consegui sacá-lo por sete euros e meio" -, e resguardou-se num vão de escada para o consumir.
As baforadas não chegam para a fazer esquecer o namorado preso, a tentativa de suicídio da mãe há dois dias, de que fala com voz trémula, nem a violação que sofreu há três meses. Mas dão-lhe força para seguir por diante, pelo menos enquanto tiver este palmo de cara. Seja para a Praça da Figueira, para o Instituto Superior Técnico, ou para a Artilharia Um, poisos de quem precisa de dinheiro rápido.
A consumir drogas duras desde o início da adolescência - "No haxe comecei aos nove ou dez" -, Jessica nunca desce abaixo dos 40 euros por cliente. Como é que se consegue comprar uma dose de crack no rescaldo de uma mega-operação policial, com agentes ainda a vasculhar ruas e lojas?
Os olhos pintados de azul não vacilam: "Ainda há montes de produto à venda. Arranjo-lhe a quantidade que quiser." A operação policial estragou-lhe os planos para o dia: engatar escoceses que quisessem conhecer outros encantos portugueses para além dos do futebol que tinham vindo ver.
"Quando soube que os cámones estavam na Baixa, pensei logo que podia arranjar algum dinheiro com os que vieram para se divertir."
E no entanto elogia os homens de armas em punho que acabaram de percorrer as ruas, a revistarem uns e outros e a meterem suspeitos nas carrinhas azuis: "Esta é uma zona problemática de tráfico de droga e de coisas roubadas. Há aqui todo o tipo de coisas ilícitas. Por isso acho bem que tenham feito esta operação. Nós é que estamos do lado errado, eles estão do lado certo."O centro comercial da Mouraria, mistura de etnias vindas de muitas partes do mundo, parece agora tranquilo, depois de os agentes terem descido as escadarias que levam às caves, subcaves e subsub-caves onde lojas de gente pobre armazenam pilhas de roupa de feira que nem marca falsa tem e onde as montras dispensam todo e qualquer artifício.
Os paquistaneses da loja de telemóveis à entrada do centro estão como Jessica: só lamentam o prejuízo causado ao negócio pelos polícias armados que ficaram à porta do recinto, enquanto decorria a operação. De resto... "Quando aqui entraram, pediram desculpa e, quando saíram, disseram obrigada", relata um deles.
O SOS Racismo emitiu um comunicado em que fala de uma operação policial virada apenas para as minorias étnicas. "Não tem nada a ver!", assegura o dono da loja de telemóveis. A jovem prostituta é da mesma opinião, e a dona da loja de roupa de bebé do último piso, uma chinesa pequenina, também.
A gerente do cabeleireiro do prédio em frente, uma cabo-verdiana despachada, faz as contas: em ano e meio é a terceira operação policial a que assiste no Martim Moniz. Assustou-se quando chegaram os homens armados, eram umas 11h, por isso fechou o salão e foi-se embora almoçar com as empregadas. Quando regressou, horas depois, os polícias já tinham debandado.
E uma série de clientes tinham ficado com o cabelo por arranjar. "Mas quem não deve não teme. Que façam as rusgas que for preciso!" Se for possível, de outra forma: "Entrei em pânico quando os vi de caras tapadas, como se fossem zorros, e armas apontadas às pessoas."
in Público

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